AVE DIVA X!!!!
“Os ícones não envelhecem, o mundo precisa celebrar essa
diva enquanto ela existe, porque nunca vai coexistir, nunca vai envelhecer.”
Por Anna Carvalho*
Quando o escritor argentino Mario
Vargas Llosa editava a civilização do espetáculo para buscar entretenimento do
olhar voyeur de olhos que buscam espetáculos no zapping entre guerras e
o tônico capilar mais eficiente, ele não imaginava que o espetáculo pudesse
admitir visões ou versões incríveis de uma certa mulher, ou ainda Gilles
Lipovetsky com a sua essência cosmopolita gourmetizada. O hiperconsumo, nada
seria capaz de atentar o que seja Madonna. Do alto de seus sessenta e um anos,
num mundo globalizado, em tempo real, uma mulher ainda se reinventando, se reeditando, sintetizando a sua vida no seu
mais novo álbum, “Madame X”.
Venho de uma geração que consumiu
Madonna, consumou Madonna em sua virgindade platônica e que nunca existiu de
fato, como um ar que enebriava o ar livre ante ao formol de uma década perdida.
O mundo de games da Guerra do Iraque, a apologia metafórica da guerra fria, da
tauromaquia em “La isla bonita”, e/ou e “Take a bow” que
transcrevia o amor por um toureiro numa arena espanhola.
A musa que já enlouqueceu
multidões e o mundo com “Like a Prayer”, “Papa don’t preach”, “Like a virgin”,
“Holiday”, “borderline”, “Die another day”, dentre essas, algumas
que ficaram na minha mente como símbolo onipresente de prazer, memória, tesão,
paixão por tudo pelo que Madonna inspirava, transpirava e expirava nas
madrugadas febris e colchões do mundo que celebrava anacronismos, caretices,
cafonices, mansidões, aliás, pergunto-me se o mundo mudou ou se não estava
preparada para uma geração iconoclasta.
Estamos em 2019, ouvindo “Batuka”
em que a religiosidade das mulheres africanas-portuguesas com suas palmas em
ritual pagão sejam rememoradas de sua condição de misantropia, quase numa
rebelião, num cenário avesso a adros, ou em “Medellín” ao lado de
Maluma, onde ela se reedita com seu batom vermelho carne, o velho chicote
vermelho numa aparição da velha Madonna dos idos de noveta. Aliás, Madonna não
era dos ritos eclesiásticos, não era dos elementos platônicos, não era dos
carmas, o espírito da musa era das carnes, das camas, das mesas do prazer
febril, da apologia ao seu corpo, ao lado do som de sua voz e falsetes.
Aliás, sempre via no seu loiro
platinado um pouco de Marilyn, um pouco da anarquia de Dalilas, de Anne Scott
James, de Frida, de Luz Del Fuego, de Angela Davis, simplesmente de Madonna.
Madonna sempre foi única entre muitas dessas mulheres que arrebentaram com
condições, sacramentos ou ritualismos, mulheres a frente do seu tempo. O mundo
do business era chefiado por uma
mulher sempre em contato com o sucesso, não é fácil se ter sucesso sempre, ser
unânime, ter sessenta e um anos num mundo em que a juventude celebra a sua
pouca anarquia, os prazeres da bichectomia.
Madonna ainda quebra tabus, mesmo
que o mundo transija que uma mulher que faça sessenta e um anos não possa fazer
mais sucesso e seja confinada na sua idade, não é possível se aperceber da
força genuína de Madonna e da sua loucura declarada por Frida, do seu
investimento intercultural, de Madonna ser um hipertexto, típico das quebras de
protocolos que o mundo merece. Aliás, tenho uma tese de que mitos não
envelheçam, nada de normal ícones estarem sob a pecha da idade, Madonna
transcende, faz birra e aparece ainda sendo ela, com o chicote que reedita
qualquer ritual mais pragmático de submissão devassa de sua estada com seu
corpo, seu sexo, suas regras.
O mundo é anacrônico e Madonna
sobrevive ao mundo relapso porque ela é definitiva, quando nos idos de oitenta
ela celebrava uma noiva virginal que fazia sexo numa cama entre spots, luzes e
delírios, ou quando um colecionador comprou seus lençóis de alcova com Sean
Penn, ou quando, na cama com ela, a música soava como num espaço remoto numa
transa aos olhos vistos com o som, deuses, deusas, ardis. Madonna fazia o seu
ritual de estar sempre presente no mundo líquido com as libertinagens ou
liquidezes inerentes aos seus rasgos.
No corpo de Madonna, não cabia
selos, era errático, belo, o branco não era vrginal, o crucifixo não era por
assim dizer, cristão; ela era da força selvagem da ira, da candura pueril de
uma menina cândida, de tudo que não é legalista ou protocolar, os escândalos,
as vielas, a maternidade e hoje a mulher que se embrenha entre causas idílicas
com o global. Os ícones não envelhecem, o mundo precisa celebrar essa diva
enquanto ela existe, porque nunca vai coexistir, nunca vai envelhecer.
As mulheres que hoje se arrebatam
em correntes feministas com seus palanques feitos de textos, deveriam ser órfãs
da forma de Madonna quando cantava idilicamente a força das meretrizes, do
preto e branco, dos amores em ilhas, dos sons hispânicos tão sensuais e
cânoros, da força camaleônica. Madonna usava seu corpo, suas regras com a
moldura de spots em palcos quentes e carnívoros, quase num ritual de Bacantes,
assim os mitos se criam. Quando essa bandeira nem bandeira era, ela era
inédita, nova, icônica como as camisas oitocentistas de meninas de colégios de
freira que as usava sob seus uniformes impublicáveis.
O mundo midiático paga pau para
uma mulher de sessenta e um anos, obviamente com o tempo sob as suas regras,
mas ela quebrando as armas do tempo em sua aparição sempre fresca jovem,
transgressora, talvez por se espelhar em Florbela Espanca, Frida, em mulheres
que foram a frente de seu tempo. Madonna é e sempre será e que o mundo não
tenha a gafe póstuma de celebrar os que foram, Madonna é, será a forma
definitiva da aparição do contraste, do diverso, da ironia das notas tímidas de
especialistas que falam cirugicamente de seu novo álbum, que poucas músicas
estejam sendo divulgadas, quase num castigo sumário do tempo. Mas que tempo?
Tempos não servem aos deuses, as deusas, aos imperecíveis que sobrevivem
impunes à sua força.
Para sempre seja força que
questione estados solenes, perversos, tempos, isolamentos, protocolos ou
servidões.
VIVA DIVA!!!
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