terça-feira, 20 de agosto de 2019

AVE DIVA X!!!! por Anna Carvalho




AVE DIVA X!!!!


“Os ícones não envelhecem, o mundo precisa celebrar essa diva enquanto ela existe, porque nunca vai coexistir, nunca vai envelhecer.”
Por Anna Carvalho*

Quando o escritor argentino Mario Vargas Llosa editava a civilização do espetáculo para buscar entretenimento do olhar voyeur de olhos que buscam espetáculos no zapping entre guerras e o tônico capilar mais eficiente, ele não imaginava que o espetáculo pudesse admitir visões ou versões incríveis de uma certa mulher, ou ainda Gilles Lipovetsky com a sua essência cosmopolita gourmetizada. O hiperconsumo, nada seria capaz de atentar o que seja Madonna. Do alto de seus sessenta e um anos, num mundo globalizado, em tempo real, uma mulher ainda se reinventando,  se reeditando, sintetizando a sua vida no seu mais novo álbum, “Madame X”.

Venho de uma geração que consumiu Madonna, consumou Madonna em sua virgindade platônica e que nunca existiu de fato, como um ar que enebriava o ar livre ante ao formol de uma década perdida. O mundo de games da Guerra do Iraque, a apologia metafórica da guerra fria, da tauromaquia em “La isla bonita”, e/ou e “Take a bow” que transcrevia o amor por um toureiro numa arena espanhola.

A musa que já enlouqueceu multidões e o mundo com “Like a Prayer”, “Papa don’t preach”, “Like a virgin”, “Holiday”, “borderline”, “Die another day”, dentre essas, algumas que ficaram na minha mente como símbolo onipresente de prazer, memória, tesão, paixão por tudo pelo que Madonna inspirava, transpirava e expirava nas madrugadas febris e colchões do mundo que celebrava anacronismos, caretices, cafonices, mansidões, aliás, pergunto-me se o mundo mudou ou se não estava preparada para uma geração iconoclasta.

Estamos em 2019, ouvindo “Batuka” em que a religiosidade das mulheres africanas-portuguesas com suas palmas em ritual pagão sejam rememoradas de sua condição de misantropia, quase numa rebelião, num cenário avesso a adros, ou em “Medellín” ao lado de Maluma, onde ela se reedita com seu batom vermelho carne, o velho chicote vermelho numa aparição da velha Madonna dos idos de noveta. Aliás, Madonna não era dos ritos eclesiásticos, não era dos elementos platônicos, não era dos carmas, o espírito da musa era das carnes, das camas, das mesas do prazer febril, da apologia ao seu corpo, ao lado do som de sua voz e falsetes.


Aliás, sempre via no seu loiro platinado um pouco de Marilyn, um pouco da anarquia de Dalilas, de Anne Scott James, de Frida, de Luz Del Fuego, de Angela Davis, simplesmente de Madonna. Madonna sempre foi única entre muitas dessas mulheres que arrebentaram com condições, sacramentos ou ritualismos, mulheres a frente do seu tempo. O mundo do business  era chefiado por uma mulher sempre em contato com o sucesso, não é fácil se ter sucesso sempre, ser unânime, ter sessenta e um anos num mundo em que a juventude celebra a sua pouca anarquia, os prazeres da bichectomia.

Madonna ainda quebra tabus, mesmo que o mundo transija que uma mulher que faça sessenta e um anos não possa fazer mais sucesso e seja confinada na sua idade, não é possível se aperceber da força genuína de Madonna e da sua loucura declarada por Frida, do seu investimento intercultural, de Madonna ser um hipertexto, típico das quebras de protocolos que o mundo merece. Aliás, tenho uma tese de que mitos não envelheçam, nada de normal ícones estarem sob a pecha da idade, Madonna transcende, faz birra e aparece ainda sendo ela, com o chicote que reedita qualquer ritual mais pragmático de submissão devassa de sua estada com seu corpo, seu sexo, suas regras.

O mundo é anacrônico e Madonna sobrevive ao mundo relapso porque ela é definitiva, quando nos idos de oitenta ela celebrava uma noiva virginal que fazia sexo numa cama entre spots, luzes e delírios, ou quando um colecionador comprou seus lençóis de alcova com Sean Penn, ou quando, na cama com ela, a música soava como num espaço remoto numa transa aos olhos vistos com o som, deuses, deusas, ardis. Madonna fazia o seu ritual de estar sempre presente no mundo líquido com as libertinagens ou liquidezes inerentes aos seus rasgos.

No corpo de Madonna, não cabia selos, era errático, belo, o branco não era vrginal, o crucifixo não era por assim dizer, cristão; ela era da força selvagem da ira, da candura pueril de uma menina cândida, de tudo que não é legalista ou protocolar, os escândalos, as vielas, a maternidade e hoje a mulher que se embrenha entre causas idílicas com o global. Os ícones não envelhecem, o mundo precisa celebrar essa diva enquanto ela existe, porque nunca vai coexistir, nunca vai envelhecer.

As mulheres que hoje se arrebatam em correntes feministas com seus palanques feitos de textos, deveriam ser órfãs da forma de Madonna quando cantava idilicamente a força das meretrizes, do preto e branco, dos amores em ilhas, dos sons hispânicos tão sensuais e cânoros, da força camaleônica. Madonna usava seu corpo, suas regras com a moldura de spots em palcos quentes e carnívoros, quase num ritual de Bacantes, assim os mitos se criam. Quando essa bandeira nem bandeira era, ela era inédita, nova, icônica como as camisas oitocentistas de meninas de colégios de freira que as usava sob seus uniformes impublicáveis.



O mundo midiático paga pau para uma mulher de sessenta e um anos, obviamente com o tempo sob as suas regras, mas ela quebrando as armas do tempo em sua aparição sempre fresca jovem, transgressora, talvez por se espelhar em Florbela Espanca, Frida, em mulheres que foram a frente de seu tempo. Madonna é e sempre será e que o mundo não tenha a gafe póstuma de celebrar os que foram, Madonna é, será a forma definitiva da aparição do contraste, do diverso, da ironia das notas tímidas de especialistas que falam cirugicamente de seu novo álbum, que poucas músicas estejam sendo divulgadas, quase num castigo sumário do tempo. Mas que tempo? Tempos não servem aos deuses, as deusas, aos imperecíveis que sobrevivem impunes  à sua força.

Para sempre seja força que questione estados solenes, perversos, tempos, isolamentos, protocolos ou servidões. 
VIVA DIVA!!!




 * Anna Carvalho é escritora, blogueira, professora, jornalista e co-autora com Elenilson Nascimento em “Diálogos Inesperados Sobre Dificuldades Domadas” e “Clandestinos”, além de ter participado da premiada antologia “Contos Perversos” com o conto “Pretinho Básico”. Contato: carvalhoanna141@gmail.com 


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